Manifestação Pacífica é Antidemocrática para o Governador

As famílias dos presos políticos decidiram recorrer da decisão do governador provincial de Luanda, Graciano Domingos, que proibiu a manifestação e a vigília previstas para o dia 26 de Setembro com o argumento de que as mesmas são antidemocráticas.

É mais um episódio do célebre caso dos 15+1, os jovens activistas acusados politicamente de preparação de golpe de Estado em Junho passado.

“Compete-nos comunicar que estando o processo a correr os seus trâmites legais, devemos com serenidade aguardar a tramitação processual até que seja proferida decisão sobre o mérito da causa e em consequência ser assegurado o direito de defesa dos arguidos constitucionalmente consagrado”, argumentou o governador.

Segundo Graciano Domingos, “nesta conformidade não nos parece democrático que os órgãos judiciais sejam coagidos em sentido diverso do que legalmente está estabelecido”.

“Pelas razões aduzidas nos termos da Lei do Direito de Reunião e Manifestação, não procede a intenção de realizar a vigília”, determinou Graciano Domingos.

Desta vez, as famílias dividiram-se em dois grupos. O primeiro informou as autoridades sobre a realização de uma manifestação no Largo da Igreja Sagrada Família, às 15h00 do dia 26 de Setembro. O segundo grupo enviou informação similar, mas para uma vigília depois das 19h00 do mesmo dia, no Largo da Igreja do Carmo. Ambas as petições foram rejeitadas com o argumento de configurarem práticas antidemocráticas.

O professor de Direito Rui Verde considera “lamentável que o Governo da Província de Luanda salte de ilegalidade em ilegalidade ao proibir as manifestações das mães”.
“A Constituição angolana é clara: todos os cidadãos podem manifestar-se sem qualquer autorização (artigo 47.º, n.º1 CRA). A intenção de manifestar apenas carece de comunicação prévia, mas não para autorizar”, refere o analista.

Rui Verde realça ainda que ao GPL compete apenas “estabelecer regras e condicionar o trânsito, assegurar protecção, etc.”.

“A Constituição é clara, e esta norma tem aplicação directa às autoridades públicas que estão vinculadas ao seu cumprimento (artigo 28.º, n.º1 CRA)”, explica.

De acordo com Rui Verde, “a democracia, mais que uma eleição de quatro em quatro anos, é o respeito da Lei e do Estado de Direito. Quando isso não acontece, não temos democracia, temos fascismo”.

Historial de proibições

Esta é a terceira tentativa de manifestação por parte dos familiares dos presos políticos.

Inicialmente, a 28 de Julho passado, o governador Graciano Domingos despachou a favor da realização da Marcha das Mães, convocada para 8 de Agosto, no Largo da Independência.

 “Cumpre-nos comunicar aos pais e seus familiares que a Constituição da República, no seu Art.º 47.º, autoriza a realização da marcha sem qualquer inconveniente […]”, comunicou o governador, reconhecendo um direito consagrado na Constituição.

Alguns dias mais tarde, a 7 de Agosto, o governador recuou. A pretexto da localização dos Tribunais Constitucional e Supremo, ambos situados no mesmo edifício da Procuradoria-Geral da República, para onde a marcha iria dirigir-se, Graciano Domingos rejeitou um direito constitucional que pouco antes reconhecera:
“As autoridades competentes poderão impedir a realização de reuniões ou manifestações em lugares públicos situados a menos de 100 metros das sedes dos órgãos de soberania, dos acampamentos e instalações de forças militares e militarizadas, dos estabelecimentos prisionais e das sedes dos partidos políticos.”

Apesar de as mães terem alterado o itinerário – definindo como novo local de destino o Largo da Mutamba – a Polícia Nacional reprimiu a marcha com violência. Desferiu golpes de cassetete sobre algumas das mães, entre elas Adália Chivonde, mãe do preso político Nito Alves, e Deolinda Luísa, mãe do preso político Benedito Jeremias, contra quem a polícia também soltou um cão, que lhe mordeu na mão.

A 27 de Agosto, o GPL proibiu a realização de uma outra manifestação prevista para o dia seguinte, coincidente com o aniversário do presidente.

No despacho, assinado pela vice-governadora Jovelina Imperial em nome do seu superior, argumentou que a nova manifestação tinha sido convocada para uma hora imprevista pela lei.

“Da análise da comunicação feita pelos subscritores, constatou-se a pretensão da realização de uma manifestação às ‘15.00 horas’ do dia 28 de Agosto de 2015, isto é, sexta-feira, desrespeitando a obrigação da própria lei.”

No dia seguinte à mesma hora, o GPL autorizou a realização de uma manifestação no Largo da Independência, convocada pelo MPLA e a favor do presidente José Eduardo dos Santos. Essa manifestação incluiu, para além de uma actividade musical, uma passeata de motoqueiros. Durante a actividade, a que o Maka Angola assistiu, o mestre-de-cerimónias anunciou publicamente a realização semanal de manifestações a favor do MPLA e do presidente, no Largo da Independência, até Novembro próximo. Ou seja, o GPL partidarizou o largo a favor do MPLA, para assim impedir que quaisquer outros grupos de cidadãos não afectos ao poder pudessem aí manifestar-se, exercendo um elementar direito constitucional.

A propósito das decisões sempre negativas das autoridades no que toca ao exercício da cidadania por parte de sectores críticos da sociedade, Isabel Correia, mãe do preso político Osvaldo Caholo, lamentou: “Todos os dias a lei está contra nós, os cidadãos de bem. Oh, Jesus! Já não sabemos o que vamos fazer.”

Os 15+1

No processo dos 15, estão detidos Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Albano Bingobingo, Arante Kivuvu, Benedito Jeremias, Domingos da Cruz, Fernando Tomás “Nicola Radical”, Hitler Jessy Chiconda “Itler Samussuku”, Inocêncio Brito “Drux”, José Hata “Cheik Hata”, Luaty Beirão, Nelson Dibango, Nito Alves, Nuno Álvaro Dala, Osvaldo Caholo e Sedrick de Carvalho.  O capitão Zenóbio Zumba, detido a posteriori por suposta amizade com Osvaldo Caholo, é o prisioneiro político número 16.

Já passaram mais de 90 dias desde que os activistas foram detidos enquanto discutiam métodos de protesto não violento, a 20 de Junho passado.

Na altura, o procurador-geral da República, general João Maria Moreira de Sousa, afirmou publicamente que os jovens haviam sido detidos em flagrante, enquanto preparavam um golpe de Estado contra o presidente José Eduardo dos Santos. Desde então, as autoridades político-judiciais têm tido dificuldades em formalizar qualquer acusação contra os activistas.

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