A Kitanda de Espionagem do General Zé Maria

O chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM) das Forças Armadas Angolanas (FAA), general António José Maria, tem sido um caso raro entre os generais da mais estreita confiança do presidente José Eduardo dos Santos. O seu nome nunca aparece associado à pilhagem dos recursos do Estado, como é hábito com os outros homens do presidente. Todavia, é bastante conhecido pelo seu envolvimento constante em escândalos comezinhos, como altercações de rua.

No entanto, uma carta anónima dirigida a vários dirigentes, incluindo a Dos Santos, divulgada na internet, apresenta pistas sobre a participação activa do general Zé Maria em actos de grande corrupção.

Entre o rol de acusações, consta a introdução, no SISM, de uma empresa da filha do general Zé Maria, Nyanga Viandi Tytapeka, para prestação de serviços de consultoria em matéria de inteligência.

Pela gravidade da denúncia, o Maka Angola investigou o caso.

Em Dezembro de 2010, a filha do general, consigo convivente, criou a empresa Infonauta – Prestação de Serviços, sendo sócia única. A empresa foi registada com sede social “no local de domicílio da comerciante”, conforme expressão do registo notarial. Ou seja, a empresa Infonauta tem como endereço profissional a residência do próprio general Zé Maria.

Por sua vez, o general Zé Maria contratou a Infonauta para a prestação de serviços de inteligência ao SISM. A Infonauta passou a dispor de um gabinete de trabalhos nas instalações do SISM, tendo a filha do general ocupado o gabinete que anteriormente era do inspector-geral do SISM. No primeiro ano de contrato, em 2011, a Infonauta facturou perto de US$4,000,000 (quatro milhões de dólares). A sua principal actividade tem consistido na reciclagem de informação recolhida pelos operativos do próprio SISM, utilizando os meios técnicos e tecnológicos à disposição deste órgão. É voz corrente no SISM que Nyanga Tytapeka franqueia as portas do gabinete do pai, o patrão do SISM, com bastante naturalidade, a mesma com que manuseia toda a informação e aparelhos que aí encontra.

Para além da Infonauta, o general Zé Maria introduziu nas instalações do SISM o cidadão norte-americano David Stark, amigo e colaborador de Nyanga Tytapeka, e hóspede na residência do general Zé Maria.

Durante uma conferência de oficiais generais do SISM, decorrida no Hotel Continental a 3 de Março de 2011, David Stark afirmou ser ex-oficial da CIA, conforme a referida denúncia, entretanto confirmada pelo Maka Angola.

A cartilha do MPLA e do regime do presidente José Eduardo dos Santos incita os seus membros a apodar as figuras críticas, que escapam ao seu controlo e lhes causam dores de cabeça, de estarem mancomunadas com a CIA. No entanto, David Stark e Nyanga Tytapeka, que estudou no Emmanuel College e na Universidade de Boston, nos Estados Unidos, têm acesso irrestrito ao centro nevrálgico da inteligência angolana.

Por outro lado, Nyanga Tytapeka também consta do selecto grupo de tradutores/ intérpretes do SISM, um emprego formal que lhe garante um salário mensal equivalente ao de um coronel das Forças Armadas Angolanas.

Perfil de Nyanga Tyitapeka

De 2007 a 2009, um ano antes da constituição da Infonauta – empresa que hora manuseia os dados secretos do SISM – a sua fundadora fez o mestrado em Energia e Análise Ambiental pela Universidade de Boston, nos Estados Unidos. No mesmo estado, Nyanga Tyitapeka licenciou-se em Ciências Políticas e Gestão, pelo Emmanuel College, que frequentou de 2002 a 2006. Antes, de 1998 a 2001, a filha do general frequentou o Instituto de Odivelas, em Lisboa, no curso de Economia e Gestão.

Poucas semanas após o termo do seu mestrado, Nyanga Tyitapeka ingressou nos quadros da Sonangol como consultora para a sustentabilidade ambiental. Exerceu essa função até Janeiro de 2011.

Em Abril de 2012, a filha do general Zé Maria concedeu uma entrevista http://www.bbc.co.uk/news/business-17872643 a Komla Dumor, da BBC Televisão, como empresária e consultora de gestão. Nyanga Tyitapeka descreveu Angola como uma terra de oportunidades e afirmou que os dotes profissionais que coloca à disposição de negócios interessados “são definitivamente valiosos”. “Estou a oferecer serviços a empresas que necessitam da minha perícia em inglês e o meu conhecimento do mercado. Há definitivamente muitas oportunidades [em Angola], desde que os jovens saibam como tirar vantagens”, disse à BBC.

Como se Promove a Corrupção nas Secretas

Para o corrente ano, o SISM tem um orçamento total de US$136,527,907, superior ao combinado das universidades públicas Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. De acordo com a actual Lei do Orçamento Geral do Estado, o general Zé Maria apenas presta contas da execução do referido orçamento ao presidente José Eduardo dos Santos.

A 14 de Fevereiro passado, a Assembleia Nacional aprovou a Lei do Orçamento Geral do Estado para 2013, conferindo ao chefe de Estado e do Executivo poderes absolutos e exclusivos para a execução e fiscalização das contas dos diferentes serviços de segurança e inteligência, incluindo o SISM (Arts. 11, 1-3).

Em suma, a transformação dos Serviços de Inteligência e Segurança Militar (SISM) em kitanda privada para o enriquecimento ilícito do general Zé Maria e sua família tem a garantia de protecção do próprio presidente da República.

Na prossecução da sua estratégia de domínio privado dos SISM, o general Zé Maria afastou recentemente das suas funções, de forma arbitrária, um total de 14 oficiais generais, incluindo o então inspector-geral José Massano. Mantém-se vago o referido posto, e o gabinete de funções que o assessora encontra-se entregue às operações familiares da Infonauta.

A instrumentalização para proveito pessoal de instituições nevrálgicas para a segurança do Estado e, sobretudo, do próprio regime do residente dos Santos, como o SISM, é reflexo de uma cultura de total abandono de qualquer política que coloque os interesses do Estado acima dos pessoais.

O presidente, para manter a lealdade e o controlo absoluto do poder, através da corrupção, perdeu a noção da realidade e tornou-se refém da sua própria estratégia. Ao enfraquecer as instituições do Estado e ao desvirtuar as suas funções, o presidente criou uma situação de perigo institucional que pode custar caro a si e ao seu regime. Ademais, o estado actual do SISM, sob comando do general Zé Maria, representa um risco maior para a soberania nacional e a estabilidade político-militar do país.

Na lógica da corrupção, José Eduardo dos Santos, ao tornar a sua primogénita Isabel dos Santos bilionária, com direito a destaque na lista da Forbes, não tem moral nem autoridade para impedir que o general Zé Maria promova a sua filha à categoria de milionária.

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