Cadeia e Tribunal para Insubordinados da Presidência

O Tribunal Militar da Região de Luanda iniciará, a 18 de Setembro próximo, o julgamento de 14 soldados pertencentes ao Destacamento Central de Protecção e Segurança da Casa Militar da Presidência da República (DCPS), acusados de crimes de exigência em grupo.

Há um ano, a 7 de Setembro de 2011, um total de 224 soldados do referido destacamento subscreveu uma petição enviada ao comandante da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), tenente-general Alfredo Tyaunda, a reclamar das más condições em que se encontravam as tropas presidenciais. Os soldados enviaram cópias da mesma petição à Polícia Judiciária Militar, Procuradoria-Militar e Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA).

Os soldados manifestaram a sua insatisfação quanto à discriminação salarial praticada entre as diversas unidades militares afectas ao presidente da República. Antes lembraram ao general Tyaunda que não são mendigos, mas graduados do quarto curso da UGP, realizado em 2005 e considerado, pelo próprio general, como “o melhor curso de todos os tempos”.

Sem rodeios, os soldados exprimiram também que, após o juramento da bandeira, “entrámos no inferno de seis anos”.

Segundo os soldados, os órgãos da guarda presidencial mais próximos de José Eduardo dos Santos, como os membros da sua escolta, certos efectivos da UGP, da Unidade de Segurança Presidencial (USP), conhecidos como os “chacais” do palácio presidencial, ganham acima de 108 000 kwanzas mensais. “Enquanto nós [que] também pertencemos aos Serviços de Apoio ao Presidente da República, somos deitados como mosquitos na esquina”, alegam os reclamantes, que ganham em média 28 450 kwanzas.

Nos últimos anos, a principal missão do DCPS tem sido a protecção das grandes obras de reconstrução nacional realizadas pelos chineses, ao abrigo dos acordos bilaterais entre Angola e a China, para a troca de petróleo por infra-estruturas.

Os soldados presidenciais enumeraram as obras sob sua guarda, como as dos Caminhos de Ferro de Luanda e Benguela, as Zonas Especiais Económicas de Luanda e Bengo, a cidade do Kilamba (entre outras centralidades) e o novo aeroporto internacional de Luanda, em Viana, como “provas de que trabalhámos muito sem reconhecimento”.

Clamando por ordem e justiça, os soldados chegaram a afirmar, na correspondência, não haver guarda presidencial em África tão desorganizada quanto a de José Eduardo dos Santos. E denunciaram, como prova, actos de nepotismo no recrutamento e na promoção de efectivos, incluindo “civis fardados”.

Subentende-se, no texto, que os civis fardados são indivíduos sem treino militar, incorporados na referida unidade presidencial por via de esquemas de corrupção. “E ainda dizem [os civis-fardados] que quem tem mãe na cozinha não sofre”, insurgem-se os soldados.

Uma das revelações feitas no texto tem a ver com o subsídio mensal, de US $100, que a empresa China-África, assim descrita, atribuía aos soldados presidenciais afectos ao projecto de reconstrução nacional. A determinada altura, não estabelecida no documento, os soldados deixaram de receber o subsídio privado e perguntam-se sobre o destino dado ao dinheiro.

Outra queixa de causar incredulidade tem a ver com os uniformes e o apoio logístico que lhes são destinados. Por um lado afirmam que “a farda entra na unidade e desaparece no contentor sem explicação” e, por outro, indicam que há certos postos militares onde os soldados têm de contribuir, do seu próprio bolso, para a sua alimentação.

Esclarecidos, os soldados deram conta de que não constam de folhas de salário oficiais. Na petição explicam que “perguntamos ao das finança[s] da UGP quais são os métodos de levantamento do salário?”. Mais se interrogam, “será que quando vão à busca do dinheiro no banco utilizam duas folhas de salário?”

De forma clamorosa, os soldados pedem ao general Tyaunda e superiores “para nos libertar das maldades e injustiça[s]”.

Exprimem-se cansados de tanta injustiça, pedem melhor tratamento e terminam afirmando que, caso os seus problemas não sejam resolvidos, “não haverá paz nas nossas casas”.

Cadeia e Tribunal

Em representação dos 224 peticionários, nove soldados dirigiram-se, a 7 de Setembro de 2011, ao gabinete do chefe da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), general Alfredo Tyaunda, para procederem à entrega da sua reclamação. Foram detidos e imediatamente transferidos para o piquete da Polícia Judiciária Militar.

Augusto Magalhães de Carvalho, Eleito José Paulo Afonso, Félix Congadimwe, Francisco Tuhandeleni, José do Rosário Dedi, Kianguebene Heme João Victor, Manuel Romão de Carvalho, Muhenawa Muefuanga e Tehecuhungana Lussati estiveram detidos durante uma semana.

A 14 de Setembro de 2011, a Procuradoria da Região Militar de Luanda alegou falta de condições carcerárias, devido a obras de melhoramento nas suas cadeias, para manter os guardas presidenciais em detenção. Instou o Destacamento Central de Protecção e Segurança da Casa Militar da Presidência da República (DCPS) a mantê-los aquartelados “até à conclusão da instrução preparatória dos respectivos autos, e apresentação célere dos infractores citados ao Tribunal Militar”.

Aos nove soldados juntam-se mais seis, acusados, sob o Processo n.º 707/2011, de serem os principais instigadores da reclamação. Estes são os soldados Alberto Francisco Cabinda, Domingos Quixido Kambuta, Feliciano Cassule, José Marcolino Nhoca, Justo Leu Ubandula e Mário Domingos.

Os 15 soldados respondem pelo crime de “exigência em grupo”, da Lei dos Crimes Militares (Lei n.º 4/94), que estabelece, no Artigo 25.º, o seguinte: “Os militares que em grupo fizerem exigências de forma tumultuosa ou amotinada serão punidos com a pena de prisão maior de 2 a 8 anos. Os que aceitarem, provocarem ou dirigirem as acções referidas no número anterior, serão punidos com a pena de prisão maior de 8 a 12 anos.”

Em momento algum os soldados são acusados de terem causado qualquer acto tumultuoso ou motim.

No entanto, a Constituição estabelece, no Artigo 73.º, sobre o direito de petição, denúncia, reclamação e queixa: “Todos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, petições, denúncias, reclamações ou queixas para a defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral, bem como o direito de ser informados em prazo razoável sobre o resultado da respectiva apreciação.”

A Constituição não exclui o direito dos soldados em apresentar petições para a defesa dos seus interesses, nem isenta a Presidência da República de responder às reclamações colectivas dos efectivos militares à sua disposição.

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