Água para Todos, Cisternas para a Elite

O programa de governo do MPLA para o quinquénio 2012-2017 revela extraordinários progressos na provisão de infra-estruturas socioeconómicas um pouco por todo o país. As estatísticas apresentadas no documento eleitoral são, na devida escala, comparadas apenas a países industrializados e com altos índices de desenvolvimento humano.

Após a II Guerra Mundial, os países europeus e o Japão, que beneficiaram do Plano Marshall, contaram com as sinergias dos seus povos e da comunidade internacional para os processos de reconstrução e relançamento das políticas de desenvolvimento. Em Angola, o programa do MPLA revela apenas o esforço de um partido e de um líder.

No entanto, esse esforço totalitário do MPLA, no poder há 37 anos, não impede que os cidadãos analisem de forma crítica o seu governo e as histórias de sucesso. Afinal, o MPLA proclama que tudo tem feito, em última instância, para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Este texto analisa, como primeira abordagem do programa eleitoral, a política de abastecimento de água à população nos centros urbanos e nas áreas rurais, definida como uma das prioridades do governo do MPLA. 

Água para Todos

Segundo o MPLA, “o programa ‘Água para Todos’, iniciado em 2007, tem sido desenvolvido com sucesso, beneficiando já cerca de 1 200 000 de pessoas com água potável. Até ao ano de 2012, este programa assegurará o consumo de água potável a pelo menos 60% da população rural”.

O MPLA indica que o referido programa duplicou a cobertura do abastecimento de água potável no meio rural de 22 para 44 por cento, em dois anos (2009 a 2011).

Para o mesmo período, nos centros urbanos, o sucesso do MPLA parece indiscutível, ao ter aumentado a cobertura do abastecimento de água potável de 33 para 56 por cento.

No entanto, o programa do MPLA não apresenta o total da população angolana nem a sua distribuição por áreas urbanas e rurais. Há também uma omissão sobre os dados estatísticos de beneficiários anteriores ao projecto “Água para Todos”, de modo que se estabeleça uma análise comparativa. Assim, é difícil interpretar, pelo programa em si, a história de sucesso do MPLA concernente ao abastecimento de água potável.

Números Metem Água

Em Junho do ano passado, a então ministra de Energia e Águas, Emanuela Vieira Lopes, anunciou, no Uíje, o mesmo número de beneficiários do projecto ‘Água para Todos’. Segundo a responsável, no período em referência, o Ministério da Energia e Águas registou mais de sete milhões de habitantes nas áreas rurais, dos quais 38 por cento tinha acesso à água potável, e esperava aumentar o número de beneficiários, para 49 por cento, até 2012. Sobre o mesmo estrato da população, o programa do MPLA realça 22 por cento no início do projecto e o aumento da cobertura para 44 por cento, em 2011. Por sua vez, patrocinado pelo ministério do Planeamento, o Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População (IBEP) revela que não houve melhorias no abastecimento de água potável às populações rurais. “O acesso a fontes de água melhorou nas zonas urbanas, mas não nas zonas rurais”, diz o estudo. Há divergências de números nos dados oficiais do MPLA e do seu governo.

Do universo de mais de 19 milhões de cidadãos, o IBEP indica que “menos de metade da população (42%) usa uma fonte apropriada de água para beber”.

O estudo nota que a região leste, rica em diamantes e abundante em recursos hidrográficos, bem como a província do Bengo, “apresentam as proporções mais baixas de uso de água a partir de fontes apropriadas”. Na província da Lunda-Sul, que tem uma produção média anual de diamantes na ordem dos US $700 milhões, apenas sete por cento da população local beneficia do consumo de água potável, situando-se seis vezes abaixo da média do consumo nacional, segundo o IBEP.

No Fórum sobre as Oportunidades de Investimento Privado na Lunda-Sul, em 2010, o governo local revelou que nenhum dos sistemas de abastecimento de água construídos no âmbito do programa ‘Água para Todos’ possui estações de tratamento de água, com excepção da cidade de Saurimo, a sede capital da província. O governo provincial sublinhou ainda que as águas são geralmente aproveitadas a partir das nascentes dos rios, através do uso de sistemas de carneiros hidráulicos e sem qualquer análise físico-química ou bacteriológica. Segundo o documento oficial, o programa ‘Água para Todos’ apresenta uma taxa de realização abaixo dos dez por cento do planificado para a Lunda-Sul. Esta província, por si só, é atravessada por sete grandes rios – Cassai, Chicapa, Chiumbe, Cuilo, Luachimo, Luele e Mombo – assim como por cerca de 40 pequenos rios, para além de inúmeros riachos e outras fontes de água.

Cisternas para a Elite

A situação real em grande parte das províncias, relativamente ao abastecimento de água potável, continua a ser desoladora. Em Luanda, com mais de cinco milhões de habitantes, o IBEP estima que “apenas metade da população tem acesso a fontes apropriadas de água”. Um dos grandes negócios informais em Luanda é o da venda de água, por camiões-cisternas, captada directamente dos rios e das estações de tratamento de água para venda diária nos bairros sem água canalizada e outros com torneiras secas. No processo de revenda, o preço por 20 litros de água chega a variar entre 50 a 100 kwanzas (1 dólar), em função da procura e da oferta no momento.

Um exemplo extraordinário do propalado sucesso da política de água é a situação do condomínio de luxo Cajú, da Sonangol. Parte da família presidencial, incluindo José Eduardo dos Santos, e da nomenklatura do MPLA acumulam também dezenas de residências no referido endereço. Apesar de ter custado US $334,6 milhões, o condomínio, que passou a ser habitado há quatro anos, tem sérios problemas de abastecimento de água canalizada aos seus moradores. Há praticamente um mês, tem estado sem água no sistema, cabendo a cada morador a responsabilidade individual de adquirir cisternas para encher o seu tanque privativo ou recipientes afins. Entre os influentes do MPLA, os mais poderosos são servidos pelas cisternas do governo provincial de Luanda. Apesar deste tratamento de excepção, nem mesmo a qualidade desta água é testada.

Apesar deste e de outros sérios constrangimentos que afectam a qualidade de vida dos dirigentes angolanos e da elite por si formada, sobre o acesso às “fontes apropriadas de água”, o MPLA afirma, no seu programa, ter criado um modelo de governo que garante “o acesso generalizado das famílias à habitação condigna, à agua potável e à energia eléctrica, aos serviços da educação e saúde e a outros bens públicos que contribuam para o seu bem-estar social”.

Há uma questão preocupante na política de água do MPLA. Se os dirigentes nem sequer se preocupam em saber da qualidade da água que as cisternas depositam nos tanques privados das suas luxuosas residências, como podem ter interesse em garantir que as águas transportadas dos rios, poços e chafarizes, como parte essencial do programa ‘Água para Todos’, seja própria para o consumo dos cidadãos?

De qualquer modo, é caso para dizer, em época de campanha: água para todos e cisternas para a elite.

Comentários