O Poder e a Sucessão de José Eduardo dos Santos

O ano passado registou uma mudança importante na política angolana, com manifestações regulares, animadas por jovens que exigiam a demissão do Presidente. O objectivo era o fim do poder de José Eduardo dos Santos, e dois factores contribuíram para transformar a mensagem no principal desafio quer ao discurso político convencional quer à percepção pública de poder: a Constituição aprovada em 2010 e as revoltas populares do Norte de África.

Esta análise apresenta uma breve narrativa das disputas entre o presidente e o seu próprio partido, o MPLA, desde o estabelecimento do sistema multipartidário em 1991. O texto avalia o emprego de golpes constitucionais, os mecanismos de corrupção e de argumentação legal para a resolução de conflitos internos, bem como as consequências que hoje se fazem sentir no quotidiano político nacional.

A Oportunidade

As eleições legislativas de 2008 ofereceram ao presidente José Eduardo dos Santos a mais legítima, ambiciosa e incomparável oportunidade para prolongar o seu longevo consulado, bem como para reformar o Estado e a sua economia política. O seu partido, o MPLA, venceu as referidas eleições por esmagadora maioria (81.64 por cento). Essa nova legitimidade democrática havia sido magnificada por cinco principais elementos: o elevado crescimento económico (em média 14.2 por cento do crescimento real do PIB entre 2005 e 2009[1]); o programa acelerado de reconstrução nacional, controlado por chineses; a asfixia da oposição política; o inquestionável apoio internacional; a atmosfera de esperança no país.

Por sua vez, essas reformas permitiriam a José Eduardo dos Santos o estabelecimento do horizonte temporal, as condições e a estratégia para a sua saída do poder. Ao construir instituições sólidas e verdadeiramente democráticas e ao devolver o poder às instituições do Estado, o presidente estaria a demonstrar capacidades de grande estadista. Estas, por seu turno, garantiriam ao presidente a protecção legal e política para a sua tranquila reforma no país.

Todavia, a realidade indica uma saída política diferente, como se explicará.

 As Reformas e a Realidade

As oportunidades de reforma tomaram um curso inesperado quando o presidente Dos Santos decidiu, unilateralmente, não convocar eleições presidenciais em 2009, exigidas pela Lei Constitucional em vigor na altura. Ao invés, optou por explorar a vitória legislativa do MPLA, para consolidar exclusivamente o seu poder pessoal. A constituição promulgada por Dos Santos, em 2010, aboliu a realização de eleições presidenciais directas. O Presidente mantém-se no poder desde 1979, sem nunca ter sido eleito pelo povo.

A vitória do MPLA era uma demonstração inequívoca da sua capacidade de assegurar resultados similares para eleger o seu líder e conferir-lhe, desse modo, a legitimidade democrática que nunca teve como chefe de Estado. Virtualmente, Dos Santos não tinha concorrentes que pudessem ofuscar a sua vitória. Apesar de ter tido todas as condições a seu favor, o presidente preferiu escolher a rota política da autocracia, do controlo absoluto do poder e sem o mandato do povo.

As nuances das manobras políticas presidenciais produzem um manancial de dados que proporcionam uma melhor análise das dinâmicas internas de poder entre o presidente Dos Santos e o MPLA. O exame profundo desta relação permite uma visão mais abrangente sobre a estrutura de governo e os processos de tomada de decisão, bem como as perspectivas para a realização de reformas democráticas e a sucessão do presidente.

Desde o estabelecimento do sistema multipartidário, o presidente tem enfraquecido, de forma contínua, os processos e órgãos colegiais de tomada de decisão, no seio do seu próprio partido, assim como as garantias constitucionais de freios e contrapesos na gestão do país. Apesar dos vários argumentos invocados para a erosão dos referidos poderes, os objectivos têm sido sempre os mesmos: a consolidação dos poderes presidenciais e o reforço de estruturas paralelas de poder, informalmente definidas como o círculo restrito do presidente.

O caso mais significativo teve lugar em 1999, quando Dos Santos aboliu, de forma inconstitucional, o cargo de primeiro-ministro e usurpou os poderes atribuídos a esta função. A Lei Constitucional de 1991, que fora negociada com a oposição, nos termos dos Acordos de Paz de Bicesse, estabelecia que o primeiro-ministro tinha a competência para “dirigir, conduzir e coordenar a acção geral do Governo” (Art. 114.º, 1.º).

 

Leia o texto completo de “O Poder e a Sucessão de José Eduardo dos Santos” aqui (PDF).


[1] Economist Intelligence Unit.  “Angola Country Forecast”, 2010:4.

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