Os Diamantes da Tchizé

A 5 de Novembro de 2010, o presidente da República, José Eduardo dos Santos, autorizou o Ministério da Geologia e Minas e da Indústria a prorrogar os termos de uma concessão diamantífera, na Lunda-Norte, para benefício primário da sua filha Welwitschea José dos Santos “Tchizé”.

O Decreto Presidencial nº 296/10, de 2 de Dezembro de 2010, determina a prorrogação, por um período de dois anos, da Licença de Prospecção, Pesquisa e Reconhecimento de diamantes de Kimberlitos do Projecto Muanga, localizado na província da Lunda-Norte. Inicialmente, o presidente José Eduardo dos Santos promulgou o projecto, aos 14 de Julho de 2005, como uma associação entre a Endiama (51%), a Sociedade de Desenvolvimento Mineiro – SDM (20%), Odebrecht (19%) e Di Oro (10%). A SDM é um consórcio paritário entre a Endiama e a multinacional brasileira Odebrecht.

Por sua vez, a Di Oro – Sociedade de Negócios Limitada, criada em 2003, é detida integralmente por Tchizé dos Santos (73.34%), o seu esposo Hugo André Nobre Pêgo (16.66%), e o filho cantor do chefe de Estado, José Eduardo Paulino dos Santos “Coreon Dú” (10%).

No entanto, por altura da assinatura do contrato de associação do Projecto Muanga, a Di Oro – Sociedade de Negócios e Alta Costura Lda. tinha outro âmbito de negócios, conforme lavrado em escritura (art. 2º): “a sociedade tem por objecto social a alta-costura, modas e confecções, gestão de negócios e empreendimentos industriais, decoração, comercialização de cosméticos, vestuário para casamentos, cocktails, aniversários e brindes”.

A 30 de Setembro de 2005, dois meses após José Eduardo dos Santos ter certificado a concessão da considerável percentagem aos filhos no negócio do kimberlito, os beneficiários alteraram o pacto social e a denominação original da empresa. Esta passou a chamar-se apenas “Di Oro – Sociedade de Negócios Limitada” e adoptou, como objecto social, a realização de “estudos geológicos, prospecção e exploração diamantífera, associação em participação em negócios mineiros, indústria hoteleira e de confecções, comércio geral, importação e exportação” (art. 2º).

O decreto presidencial ilustra o modo como José Eduardo dos Santos tem gerido a política de tolerância zero contra a corrupção, por si decretada a 21 de Novembro de 2011. O presidente afirmou, na altura, que o MPLA, enquanto partido no poder, “aplicou timidamente o princípio de fiscalização dos actos de gestão do Governo, através da Assembleia Nacional e do Tribunal de Contas”.

No mesmo discurso, o presidente da República e do MPLA manifestou-se contra a apatia do seu partido, em combater a corrupção. Dos Santos referiu que a falta de coragem do MPLA foi “aproveitada por pessoas irresponsáveis e por gente de má-fé para o esbanjamento de recursos e para a prática de acções de gestão ilícitas e mesmo danosas ou fraudulentas”. Dos Santos também disse: “penso que devíamos assumir uma atitude crítica e autocrítica em relação à condução da política do partido neste domínio”.

No entanto, o acto administrativo do presidente em favorecer os seus filhos, em negócio com o próprio Estado angolano, configura um crime de corrupção, segundo a Lei da Probidade Pública (art. 25º, 1, a).

O presidente da República, por interpretação extensiva, sujeita-se à Lei da Probidade Pública, que abrange todos os servidores públicos (Art. 15º, 1º). De forma mais específica, o presidente da República também responde enquanto chefe do Executivo, de que é membro (Art. 15º, 2º, a).

Por sua vez, a Odebrecht incorre no crime de suborno do presidente da República, ao ter garantido 10% do capital social do Projecto Muanga à filha do presidente, que assinou o contrato com o representante da multinacional brasileira, António Mamieri. O contrato do Projecto Muanga determina (Art, 25º) que a Odebrecht e a OMSI assumem o compromisso de realizar todos os investimentos “para a totalidade das despesas de Prospecção, Pesquisa e Reconhecimento, por sua conta e risco”, assim como os prejuízos resultantes do insucesso do projecto (Art. 27º). A contribuição da Di Oro no projecto resume-se apenas à assinatura do presidente, enquanto progenitor e sogro dos seus sócios.

Segundo a Constituição, (Art. 127º, 1 sobre responsabilidade criminal) o presidente responde por actos de suborno enquanto no exercício das suas funções. (Art. 129º, 1, b), podendo ser destituído por crimes de suborno, peculato e corrupção.

José Eduardo dos Santos tem regularmente promulgado decretos oficiais que facilitam o enriquecimento ilícito dos seus filhos. A 30 de Novembro de 2005, o chefe de Estado promulgou o contrato de Prospecção, Pesquisa e Reconhecimento de jazidas primárias de diamantes no Projecto Cabuia, a noroeste de Saurimo, na província da Lunda-Sul (Decreto nº 106/05 de 9 de Dezembro do Conselho de Ministros). O consórcio, formado pela empresa de Tchizé dos Santos, N’Jula Investments, a Miningest e Sambukila, teve direito a 5% do capital social do projecto mineiro, sem necessidade de contributo financeiro, material ou técnico pela sua participação societária. A referida concessão abrange uma área de três mil quilómetros quadrados.

Segundo o contrato do Projecto Cabuia, a Equatorial Diamonds, liderada pelo empresário Hélder Bataglia, assumiu o financiamento integral do projecto, por sua conta e risco, e ficou com 44% das acções. Coube à Endiama, enquanto representante do Estado, 51% do capital social. Em termos legais, pode-se aferir que a Equatorial Diamonds incorreu no crime de suborno do presidente da República, para facilitar a aprovação do projecto.

No entanto, estranhamente, apesar de o contrato ter sido celebrado por um período de cinco anos, o Decreto Executivo nº 7/06 de 30 de Janeiro de 2006, do Ministério da Geologia e Minas, apresenta outra configuração do mesmo contrato referente ao Projecto Cabuia. O consórcio de Tchizé dos Santos passou a beneficiar de 30% para o período de exploração de diamantes. A Endiama (35.5%) e a Equatorial Diamonds (34.5%) cederam considerável parte do seu capital sem valor acrescentado para as suas participações societárias. Essa nova distribuição revela a transferência directa de capital do Estado, detido pela Endiama, para benefício da filha do presidente, e com a anuência deste.

Assim, os discursos governamentais sobre a boa governação, a transparência e o serviço público são letra-morta ante os actos abertos de corrupção do presidente da República.

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